João, com 12 anos, estava sempre alheado nas aulas, nunca olhava os professores nos olhos, mostrava-se indiferente às ordens que estes lhe davam e até os empurrava, caso eles se interpusessem entre si e algo que quisesse ver. Na escola foi classificado como "perigoso" e aos processos disciplinares seguiu-se a proposta de suspensão. Mas, se ela se tivesse concretizado, não serviria de nada, porque ele não entenderia o castigo. João era - e é - autista e uma entre muitas crianças que tardam a ser diagnosticadas e que, em vez de apoiadas e protegidas, são apontadas como mal-educadas e rejeitadas em sociedade.
O nome é falso, mas o caso é real e ilustra uma das preocupações que os especialistas consideram que têm de ser realçadas hoje, Dia Mundial da Consciencialização do Autismo. "Nos casos graves, o diagnóstico é precoce e os doentes são protegidos e apoiados. São as crianças com perturbações menos severas do espectro do autismo que, tal como as famílias, passam por situações mais complicadas. Todos exigem à criança um comportamento normal, quando ela não o pode ter - apesar de o diagnóstico não estar feito, ela não é mal-educada, é autista, nunca será como as outras", alerta Guiomar Oliveira, pediatra.
Coordenadora do único estudo de âmbito nacional sobre a prevalência do autismo - que envolveu 300 mil crianças com idades entre os 7 e os 9 anos -, Guiomar Oliveira baseia-se na sua experiência, mas também nos dados obtidos durante a investigação. O estudo, feito entre 1999 e 2000, permitiu concluir que uma em cada mil crianças tinha alguma perturbação do espectro do autismo; e ainda que, destas, apenas um terço tinha sido objecto de um diagnóstico correcto, apesar de quase todas estarem a ser acompanhas por problemas de comportamento e de aprendizagem, entre outros.
A dificuldade de diagnóstico é facilmente explicável: não há traços físicos associados à patologia e o grau de severidade (no que respeita aos défices na comunicação, na relação com os outros e na capacidade de imaginação) é muito variável.
Crianças com autismo num grau muito severo podem nunca chegar a falar e ficar indiferentes aos esforços de terceiros no sentido de estabelecerem com elas uma relação; crianças com a síndrome de Asperger, por exemplo, podem ter uma capacidade cognitiva e uma linguagem normais, que disfarçam outros sintomas da perturbação, como a incapacidade de perceber uma metáfora ou uma ironia e de expressarem emoções ou de entenderem as dos outros.
Há outra característica da doença que é especialmente cruel para os pais: um autista não entende as regras sociais e não tem mecanismos de autocensura - diz e faz o que lhe passa pela cabeça, no momento. E não é raro que, perante um comentário desagradável ou uma birra da criança, os pais sejam criticados por, supostamente, não a saberem educar.
Há quem pense que os casos de autismo têm aumentado. Guiomar Oliveira não concorda. Acredita que aumentou, sim, a quantidade de casos diagnosticados, muito graças ao progresso feito nos últimos anos no que respeita à sensibilização de educadores e de professores e à formação de médicos. "Chegam-nos, para estudo e diagnóstico, muitas crianças com 18 meses e dois anos; mas também muitos jovens com, 12, 13, 14 anos..."
Apesar desse aumento, quantos autistas andarão, desprotegidos, entre nós? É o que preocupa os especialistas. Isabel Cottinelli, presidente da Federação Portuguesa de Autismo (FPA), anuncia a aposta, ainda este ano, numa grande acção de divulgação dos sinais de alerta, dirigida às famílias (http://www.appda-norte.org.pt). Rita Soares, psicóloga daquela organização, não teme alarmismos: "Mesmo em caso de erro de diagnóstico, a uma criança com outra perturbação menos grave não faz mal ser integrada num programa de estimulação e de reforço de competências sociais; já para um autista, crescer sem "armas" para sobreviver em sociedade é muito complicado", frisa.
As armas, neste caso, são regras sociais. "João", cujo diagnóstico foi feito aos 13 anos, está a aprender, por exemplo, a ir ao supermercado - a aprender a pegar no produto, a esperar na fila, a entregar o dinheiro, a aguardar pelo troco e, entre outras coisas, a não comentar a obesidade ou os sinais de velhice da senhora que o está a atender.
À sociedade, alerta Guiomar Oliveira, cabe apoiar e proteger a criança. Mais propriamente, se o "João" tem de aprender a não empurrar os professores para chegar onde quer; aqueles também têm de agir tendo em conta que aquela é uma criança especial. O que significa, diz a pediatra, evitar situações de conflito: "Às vezes depende de muito pouco: se puderem evitar colocar-se entre a criança autista e um objecto que ela está a observar atentamente, o que custa fazê-lo?"
Reportagem retirada de: http://inclusaoaquilino.blogspot.com/2010/04/casos-menos-severos-de-autismo-sao.html#links
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